terça-feira, 30 de novembro de 2010

Identidade revelada após 150 anos

                                                       
O general X..., que obteve a autorização para o funcionamento legal da Sociedade de Paris

 No ano do Sesquicentenário da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada por Allan Kardec a 1º de abril de 1858, descobrimos na Revista Espírita a identidade do célebre general X...


 

Enrique Eliseo Baldovino

henriquedefoz@uol.com.br



Estudando as páginas históricas da Revista Espírita, brilhante manancial doutrinário que acaba de cumprir seu Sesquicentenário de lançamento, nos detemos atentamente no mês de julho do ano 1859 (RE jul. 1859–III c +), no seu artigo III, conversa nº 3 (c) [que tem a sua seqüência (+) noutro mês(1) do mesmo ano], e lemos o seguinte no art. intitulado: Conversas familiares de Além-Túmulo – Notícias da guerra: um oficial superior morto em Magenta (Primeira entrevista – Sociedade, 10 de junho de 1859), pp. 283-287, cujas conclusões estaremos tratando nesta matéria comemorativa.
Nesse artigo nos deparamos com uma interessante e reveladora informação inserida nas questões números 4 e 5, entre as quais existe uma valiosa Nota de Allan Kardec (observação) que identifica claramente o Espírito comunicante (o mesmo acontece na questão nº 13), identificação que é a de um oficial superior falecido em combate na batalha de Magenta (em 4 de junho de 1859, na Guerra da Itália), e que o Codificador já conhecia de nome, porque esse oficial superior (o general X...) havia contribuído muito ao obter a autorização legal imprescindível para o funcionamento e formação da Société Parisienne des Études Spirites em tempo recorde, autorização conseguida em 13 de abril de 1858.(2)
Como também estamos no Ano do Sesquicentenário da fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, temos a honra de compartilhar este estudo, à guisa de pálida homenagem ao incansável trabalho doutrinário que Kardec teve ao dirigir com mestria e perseverança o primeiro Centro Espírita do mundo. Então, citemos a seguir, na íntegra, a Revue Spirite referida,(3) na qual está registrado o primeiro dos diálogos entabulados (são 2 entrevistas) entre Kardec e a personagem mencionada, que é objeto da nossa pesquisa. A data da evocação é 10/06/1859, somente seis dias após da desencarnação (04/06/1859) do general X... no terrível combate de Magenta (cidade da província de Milão, hoje pertencente à Itália).

 UM OFICIAL SUPERIOR MORTO EM MAGENTA

(Sociedade, 10 de junho de 1859)

1. Evocação. Resp. – Eis-me aqui.
2. Poderíeis dizer-nos como atendestes tão prontamente ao nosso apelo? Resp. – Eu estava prevenido do vosso desejo.
3. Por quem fostes prevenido? Resp. – Por um emissário de Luís.
4. Tínheis conhecimento da existência de nossa Sociedade? Resp. Vós o sabeis. (Grifos nossos.)
Observação – O oficial em questão tinha realmente auxiliado a Sociedade para a obtenção do seu registro de funcionamento. (Grifos nossos.)
5. Sob que ponto de vista consideráveis a nossa Sociedade quando concorrestes para a sua formação? Resp. Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a crer; não fossem os acontecimentos que sobrevieram, por certo teria ido instruir-me no vosso círculo. (Grifos nossos.)
6. Há criaturas deveras notáveis que comungam as idéias espíritas, mas que não o confessam de público. Seria desejável que as pessoas influentes desfraldassem abertamente essa bandeira? Resp. – Paciência; Deus o quer e, desta vez, a expressão é verdadeira.
7. De que classe influente da sociedade pensais deverá partir em primeiro lugar o exemplo? Resp. – No início, de algumas; depois, de todas.
8. Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos se vossas idéias são mais lúcidas que as do zuavo que há pouco esteve aqui, embora ambos hajam falecido mais ou menos na mesma época? Resp. – Muito. Aquilo que ele vos disse, testemunhando uma certa elevação de pensamento, foi-lhe soprado, porque ele é bom mas muito ignorante e um tanto leviano.
9. Ainda vos interessais pelo sucesso de nossos exércitos? Resp. – Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o seu objetivo.
10. Tende a bondade de definir o vosso pensamento; o objetivo sempre foi abertamente confessado e, sobretudo em vossa posição, devíeis conhecê-lo? Resp. – O fim que Deus se propôs, vós o sabeis? (Grifos nossos.)
Observação – Ninguém desconhecerá a gravidade e a profundeza desta resposta. Assim, quando vivo, ele conhecia o objetivo dos homens; como Espírito, vê o que há de providencial nos acontecimentos. (Grifos nossos.)
11. Que pensais da guerra em geral? Resp. – Desejo que progridais rapidamente, a fim de que ela se torne tão impossível quanto inútil. Eis a minha opinião.
12. Acreditais que chegará o dia em que ela será impossível e inútil? Resp. – Sim, não tenho dúvida, e posso dizer que esse momento não está tão longe quanto pensais, embora não vos possa dar esperança de que o vereis.
13. Vós vos reconhecestes imediatamente no momento da morte? Resp. Quase que imediatamente, graças às vagas noções que possuía do Espiritismo. (Grifos nossos.)
14. Podeis dizer algo a respeito de M..., morto também na última batalha? Resp. – Ele ainda se encontra enredado na matéria; sente muita dificuldade em se desvencilhar; seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
Observação – O conhecimento do Espiritismo auxilia o desprendimento da alma após a morte; assim, concebe-se que abrevie o período de perturbação que acompanha a separação; o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que ora se encontra.
15. Assististes à entrada de nossas tropas em Milão? Resp. Sim, e com alegria. Fiquei encantado pela ovação com que nossas armas foram acolhidas, a princípio por patriotismo; depois, pelo futuro que as aguarda. (Grifos nossos.)
16. Como Espírito, podeis exercer uma influência qualquer sobre as disposições estratégicas? Resp. – Acreditais que isso não tenha sido feito desde o princípio, e tendes dificuldade de adivinhar por quem? (Grifos nossos.)
17. Como foi possível que os austríacos abandonassem tão rapidamente uma praça forte como Pavia? Resp. – Medo.
18. Então estão desmoralizados? Resp. – Completamente. De mais a mais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.
Observação – Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos é inequívoca. Eles preparam os caminhos para a realização dos desígnios da Providência. Os antigos teriam dito que era obra dos deuses; nós dizemos que é dos Espíritos, por ordem de Deus.
19. Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay, como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista? Resp. – Pobre, pobre general!
20. Voltaríeis de bom grado se vos pedíssemos? Resp. Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem ser chamado. A simpatia que eu nutria por vós não fez senão aumentar. Adeus. (Grifos nossos.)
 
 O GENERAL X...
Vejamos agora o que o próprio Codificador Allan Kardec nos fala em Obras Póstumas,(4) sobre a importantíssima autorização legal para o funcionamento e formação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE):
«[...] Mas, então, fazia-se necessária uma autorização legal, a fim de se evitar que a autoridade nos fosse perturbar. O Sr. Dufaux, que se dava pessoalmente com o Prefeito de Polícia, encarregou-se de tratar do caso. A autorização também dependia do Ministro do Interior. Coube então ao general X..., que era, sem que ninguém o soubesse, simpático às nossas idéias, embora sem as conhecer inteiramente, obter a autorização. Esta, graças à sua influência, pôde ser concedida em quinze dias, quando, de ordinário, leva três meses para ser dada. [...]» (Grifos nossos.)
Lembremos o contexto histórico, político e social francês da segunda metade do século XIX: uma lei da época, a lei de segurança geral, votada em 19 de fevereiro de 1858 e promulgada em 27/02/1858, proibia reuniões com mais de 20 pessoas sem a autorização da polícia imperial de Napoleão III, o qual havia sofrido um atentado político por parte do revolucionário nacionalista italiano Félix Orsini, que quase o matou no dia 14 de janeiro de 1858. Face à isto, Orsini foi condenado à pena de morte, sendo executado na guilhotina em 13 de março de 1858, isto é, só vinte dias antes (01/04/1858) da fundação da SPEE e exatamente um mês antes (13/04/1858) de obter-se a necessária autorização(5). Orsini havia sido deputado na Constituinte de Roma de 1849 que, ao cair a República, refugiou-se em Paris. Segundo ele, atentou contra Napoleão III por este haver restabelecido a autoridade do papa nos Estados Papais. Foi por este motivo que endureceu-se sobremaneira o controle policial sobre a reunião de mais gente que a permitida em recinto fechado.
Este episódio provocou a sanção da Lei de Segurança Geral, que facultava ao Ministro do Interior a trasladar ou exilar qualquer cidadão francês que fosse reconhecido culpado de conspirar contra a segurança do Estado. Era uma lei muito rigorosa, que somente derrogou-se 12 anos após, em 1870. «(...) O estatuto social [da SPEE] devia ser submetido às autoridades sob este severo regime que, ante as novas idéias, fixariam sua atenção sobre o objeto e a lista de nomes dos componentes. (...)»(6)

   
                                    
O GENERAL CHARLES-MARIE-ESPRIT ESPINASSE
Como acabamos de ler em Obras Póstumas, o general X... era, ao mesmo tempo, Ministro do Interior da França, cujo elevado cargo ministerial tinha, à época, a denominação completa de Ministro do Interior e de Segurança Geral. Nossa investigação da história política francesa nos elucida que Napoleão III (1808-1873) nomeou para este cargo a um general, oficialmente no dia 7 de fevereiro de 1858.(7) A História registra que trata-se do general Charles-Marie-Esprit Espinasse (Castelnaudary [Aude], França, 02/04/1815 – Magenta [Milão], hoje Itália, 04/06/1859), que ocupou esse Ministério até o dia 14 de junho de 1858, sendo que três dias depois de sua demissão foi nomeado senador pelo regime imperialista. O general Espinasse participou ativamente da Guerra da Itália (ver mais abaixo o seu contexto histórico) e morreu na batalha de Magenta. Anos antes (1842) havia sido nomeado cavalheiro da Legião de Honra. Em 2 de dezembro de 1851 participou militarmente do golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho de Napoleão I (1769-1821).
Citemos textualmente as palavras que o próprio Kardec coloca no título e no subtítulo do seu artigo já mencionado da Revista Espírita:(2) «Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada em Paris no dia 1º de abril de 1858, e autorizada por portaria do Sr. Prefeito de Polícia, conforme o aviso de S. Exa. Sr. Ministro do Interior y da Segurança Geral, em data de 13 de abril de 1858». Esta autorização legal foi obtida – como acabamos de ver – no período em que o general Espinasse estava à frente do ministério (de 07/02/1858 a 14/06/1858). Sabiamente, e com a sua prudência costumeira, Allan Kardec designa a esse general com a letra X, por motivos óbvios e porque ademais o estatuto da Sociedade de Paris impedia que a atividade política partidária fizesse parte da mesma, por ser uma Sociedade de caráter apolítico. Hoje esta nova informação sobre a identificação nominal do general X... tem unicamente caráter de registro histórico, com o objetivo de que conheçamos as personalidades que contribuíram e que fizeram parte dos anais do Espiritismo.
Em outro contexto, o próprio Codificador vai referir-se por duas vezes –agora sim nominalmente– ao general Espinasse, depois de morto na batalha de Magenta: na pergunta nº 37 da RE jul. 1859–III a +: Conversas familiares de Além-Túmulo – Notícias da guerra: o zuavo de Magenta (Primeira conversa – Sociedade, 10 de junho de 1859), página 281, e também na pergunta 40 da RE jul. 1859–III b +: Conversas familiares de Além-Túmulo – Notícias da guerra: o zuavo de Magenta (Segunda conversa – Sociedade, 17 de junho de 1859), na mesma p. 281. Outrossim, o Espírito Espinasse parece ser o mesmo (com exceção da primeira letra adicionada: Lespinasse) que dita uma comunicação no final do artigo da RE mai. 1862–II a: Conversas familiares de Além-Túmulo – O capitão Nivrac, p. 200, onde outra Nota de Allan Kardec informa o objetivo de registrar ali aquela comunicação, que aborda a benéfica influência do Espiritismo nos soldados.
            Finalmente tenhamos em conta, para compreender melhor, o contexto histórico, político e social da Guerra da Itália, na qual a França participou ativamente e, por conseguinte, o general X... Lembremos que em Obras Póstumas (2ª Parte – Acontecimentos, 7 de maio de 1856, em casa do Sr. Roustan; médium: Srta. Japhet) há uma clara referência a este grave conflito, mensagem histórica em que os Espíritos já prediziam ao Codificador que a primeira centelha da guerra partiria da Itália, conflagração que tomaria grandes proporções abrangendo a Terra. E exatamente assim aconteceu, como os Espíritos anunciaram com antecipação de 3 anos.


                                                                    
CONTEXTO HISTÓRICO DA GUERRA DA ITÁLIA
O contexto de fundo deste artigo da Revista Espírita é a Guerra da Itália (1859), que ainda não havia conseguido sua independência e sua unidade como país (só em 1870-1871 concretizou-se finalmente a sua unificação). Vários estados italianos estavam sob a hegemonia direta ou indireta de Áustria, que com seu exército reprimia quaisquer movimentos revolucionários. Vítor Emanuel II (1820-1878), rei da Sardenha em 1849 [e posteriormente rei da Itália, em 1861], designou ministro em 1850 a Camilo Benso, conde de Cavour (1810-1861), com quem trabalhou pela unificação do reino da Itália. Com o aval de Vítor Emanuel II, a 21 de julho de 1858 o imperador francês Napoleão III convocou a Cavour em Plombières, para tratar sobre a futura Itália, conversas que deram lugar a um tratado secreto franco-piemontês, que se firmaria em 26 de janeiro de 1859, em que a França dava garantias ao Piemonte no caso de sofrer uma agressão austríaca. Estava selada a aliança entre Vítor Emanuel II e Napoleão III contra a Áustria, cujo imperador era Francisco José I (1830-1916). Em 27 de abril de 1859 o exército austríaco cruzou a fronteira. Em 3 de maio de 1859, França declara guerra à Áustria. Napoleão III estava à frente do seu exército, que contava com mais de 100.000 homens. O peso das operações correspondeu às tropas francesas, que derrotaram às austríacas em Montebello (20 de maio) e em Magenta (4 de junho), o que permitiu a entrada do exército francês em Milão em 7 de junho de 1859. O imperador austríaco Francisco José I esteve à frente das sus tropas mas não pôde impedir a derrota (24 de junho) nas batalhas de Solferino e São Martinho, que custaram um elevadíssimo número de baixas em todos os contendores e não conseguiram aplacar o descontentamento da opinião pública.
Foi então, porém, quando Napoleão III deu um brusco giro e ofereceu uma trégua que o imperador Francisco José I apressou-se em aceitar. Ambos os imperadores reuniram-se no dia 11 de julho de 1859 em Villafranca, e assinaram um armistício, através do qual Áustria entregava a Lombardia a França que, por sua vez, a cederia ao Piemonte. Piemonte, que foi informado do acordo depois de assinado, acolheu com indignação a notícia, e Cavour, que não conseguiu que Vítor Emanuel II rejeitasse os termos do armistício, demitiu-se da presidência do Conselho de Ministros no dia 12. Após o armistício de Villafranca, sem contar com Piemonte, França e Áustria firmaram a paz de Zurique (a 10 de novembro de 1859), em que somente permitia-se a entrega da Lombardia aos piemonteses. Os nacionalistas italianos ficaram ressentidos pelo abandono do seu aliado francês, enquanto Napoleão III não conseguiu aplacar a oposição interna nem aumentar o seu prestígio internacional. A única ganância certa foi a aquisição de Nice e de Sabóia, por cessão do Piemonte, em 24 de março de 1860 (Tratado de Turim). Apesar disto, Vítor Emanuel II, em fevereiro de 1861 seria consagrado rei da Itália, após anexar a Itália central, o reino de Nápoles e posteriormente o reino das Duas Sicílias, com a ajuda do patriota Giuseppe Garibaldi (1807-1882), que estava à frente de sua tropa de voluntários e que também contribuiu poderosamente para a unificação da Itália (ver também a RE mar. 1861–II: A cabeça de Garibaldi, pp. 121-125). Vítor Emanuel II, favorecido agora por sua aliança com Prússia, obteve da Áustria, em 1866, a cessão de Veneza e, posteriormente, pela força, apoderou-se de Roma, onde fixou a capital do reino em 1870-1871. Estava consolidada a unidade da Itália como país.
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LEGENDA DA FOTOGRAFIA 1: Foto muito rara do ministro Charles-Marie-Esprit Espinasse, que, entre 07/02/1858 e 14/06/1858, ocupou o Ministério do Interior e de Segurança Geral do governo imperial de Napoleão III. (Foto: RMN.)

LEGENDA DA FOTOGRAFIA 2: O general X... (Charles-Marie-Esprit Espinasse), que obteve a autorização imprescindível para o funcionamento legal da Sociedade de Paris.

LEGENDA DA FOTOGRAFIA 3: Placa-homenagem ao general francês Espinasse, por parte da província de Milão (1859), em gratidão à sua coragem e heroísmo, demonstrados com a entrega da própria vida na batalha vitoriosa de Magenta. (Foto: Lettini.)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Mês de setembro de 1859. 2ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Artigo em seqüência: RE set. 1859–III a +: Conversas familiares do Além-Túmulo – Um oficial do exército da Itália (Segunda entrevista – Sociedade, 1º de julho de 1859. Vide o número de julho), pp. 362-364.
(2) KARDEC, Allan. Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada em Paris no dia 1º de abril de 1858. Revista Espírita. Maio de 1858, pág. 233. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2004.
(3) KARDEC, Allan. Revista Espírita. Julho de 1859. Artigo citado: RE jul. 1859–III c +: Conversas familiares de Além-Túmulo – Notícias da guerra: um oficial superior morto em Magenta (Primeira entrevista – Sociedade, 10 de junho de 1859), págs. 283-287.
(4) KARDEC, Allan. 1º de abril de 1858, fundação da Sociedade Espírita de Paris. Obras Póstumas. 26ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1944. Tradução de Guillon Ribeiro, p. 295.
(5) CEI. Conselho Espírita Internacional. Contexto histórico extraído da nota do tradutor nº 150 (lei de Segurança Geral) do Ano 1858 da Revista Espírita: Periódico de Estudios Psicológicos, de Allan Kardec, traduzida do francês ao espanhol por Enrique Eliseo Baldovino, 1ª ed. Brasília: CEI, 2005, pág. XLIII.
(6) BARRERA, Florentino. La Sociedad de París. In: ______. La Sociedad de París: Société Parisienne des Études Spirites: 1858-1896. 2ª ed. revisada e aumentada, 100 pp., ilus. Buenos Aires: VIDA INFINITA, 2002. Página 14 (versão nossa).
(7) CRONOLOGIA DOS MINISTROS DA FRANÇA. Charles-Marie-Esprit Espinasse. Atlas Words, Itália, 1999-2008. Disponível em internet: «http://www.atlaswords.com/FRANCIA%2051.htm», junto com as pesquisas históricas extraídas das nossas N. do T. 116 y 129 (Guerra da Itália) do Ano 1859 da Revista Espírita. Acesso em: 2 de janeiro de 2008.

NOTA DO BLOG:

1 - Este artigo foi publicado pela revista Reformador de abril de 2008, pelo site O Consolador em julho de 2008 e pela Revista Internacional do Espiritismo (RIE) de outubro de 2008.

AGRADECIMENTO:

Nosso sincero agradecimento ao companheiro Enrique Baldovino por autorizar a publicação deste artigo neste blog.
  

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Le Journal Paris noticiou o desencarne de Allan Kardec



De acordo com as informações da Revista Espírita de maio de 1869, o “Le Journal Paris”, por meio do Sr. Pagès de Noyez, noticiou o desencarne de Allan Kardec (31 de março de 1869), no dia 3 de abril de 1869. Procuramos a edição original da notícia na internet, porém infelizmente não tivemos sucesso. Caso algum leitor encontre e queira nos enviar, ficaremos muito felizes.




Aquele que por tão longo tempo ocupou o mundo científico e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu na idade de 65 anos.

Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio da sala das sessões a que há tantos anos ele presidia; vimo-lo com o semblante calmo como se extinguem aqueles a quem a morte não surpreende e que, tranqüilos quanto ao resultado de uma vida honesta e laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da pureza de sua alma sobre o corpo que abandonaram.

Resignados pela fé em uma vida melhor, e pela convicção da imortalidade da alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar um derradeiro olhar àqueles lábios descorados que, ainda na véspera, lhes falavam a linguagem da Terra. Mas eles recebiam já a consolação de além-túmulo: o Espírito de Allan Kardec veio dizer-lhes quais haviam sido as suas comoções, quais as suas primeiras impressões, quais, dos que o haviam precedido no além-túmulo, tinham vindo ajudar-lhe a alma a desprender-se da matéria. Se "o estilo é o homem", aqueles que conheceram Allan Kardec em vida não podem deixar de ficar emocionados pela autenticidade dessa comunicação espírita.

A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência estranha. A Sociedade fundada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava de desaparecer. Abandonado o local, retirados os móveis, nada mais restava de um passado que devia renascer sobre novas bases. No fim da última sessão, o presidente fizera as suas despedidas; preenchida a sua missão, retirava-se da luta cotidiana, para se consagrar inteiramente ao estudo da filosofia espiritualista. Outros, mais jovens - intrépidos - deveriam continuar a obra e, fortes por sua virilidade, impor a verdade por sua convicção.

Para que referir os detalhes da morte? Que importa o modo por que se partiu o instrumento, e por que consagrar uma linha a esses fragmentos de ora em diante mergulhados no turbilhão imenso das moléculas? Allan Kardec morreu na sua hora própria. Com ele terminou o prólogo de uma religião vivaz, que, irradiando todos os dias, cedo terá iluminado toda a Humanidade. Ninguém melhor que ele podia conduzir a bom termo essa obra de propaganda, à qual era necessário sacrificar as longas vigílias que alimentam o espírito, a paciência que educa com o correr do tempo, a abnegação que afronta a estultícia do presente, para não ver senão a irradiação do futuro.

Allan Kardec terá, com suas obras, fundado o dogma pressentido pelas mais antigas sociedades. Seu nome, apreciado como o de um homem de bem, está há muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos que receiam. É difícil praticar o bem sem chocar os interesses estabelecidos. O Espiritismo destrói muitos abusos, reanima muitas consciências doloridas, dando-lhes a certeza da prova e a consolação do futuro.

Os espíritas choram hoje o amigo que os deixa, porque o nosso entendimento, por assim dizer, material, não se pode submeter a essa idéia de transição; pago, porém, o primeiro tributo a essa inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabeça e através desse mundo invisível, que ele sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo, que já não existe, convencido de que o seu Espírito nos protege sempre.

O presidente da Sociedade Espírita de Paris está morto; mas o número de adeptos cresce todos os dias, e os corajosos, os quais pelo respeito ao Mestre se deixavam ficar no segundo plano, não hesitarão em se evidenciarem, por bem da grande causa.

Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, não deixa de ser, por isso, um grande fato para a Humanidade. Não é mais o sepulcro de um homem, é a pedra tumular enchendo esse imenso vácuo que o materialismo cavara aos nossos pés e sobre o qual o Espiritismo esparge as flores da esperança.


PAGÈS DE NOYEZ

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amuletos e Talismãs


                                       Amuleto com a imagem de Allan Kardec

Um dia desses, quando fazíamos nossas habituais visitas a sites franceses em busca de informações úteis acerca do Espiritismo, deparamo-nos com alguns curiosos amuletos contendo a imagem de Allan Kardec (a imagem não tem nenhuma semelhança com Allan Kardec, aliás). Um deles, chapeado com ouro 16K, é vendido por 29 euros, e serviria para “proteger e ajudar nas evocações”. Obviamente, todo ser humano tem o direito de crer naquilo que melhor lhe convém; portanto, o objetivo deste artigo não é criticar pessoas cuja liberdade de crença e de expressão respeitamos, mas sim o de mostrar aos espíritas qual foi a posição de Allan Kardec e dos Espíritos acerca do tema amuletos e talismãs.
                                           
Primeiramente, vejamos o que os Espíritos responderam a Allan Kardec na obra inaugural da doutrina espírita, O Livro dos Espíritos:

553 - Qual pode ser o efeito das fórmulas e práticas com que algumas pessoas pretendem dispor da cooperação dos Espíritos?

– É o efeito de torná-las ridículas se forem pessoas de boa-fé. Caso contrário, são patifes que merecem castigo. Todas as fórmulas são enganosas; não há nenhuma palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porque eles são atraídos somente pelo pensamento e não pelas coisas materiais.

553 a - Alguns Espíritos não têm, às vezes, ditado fórmulas cabalísticas?

– Sim, há Espíritos que indicam sinais, palavras esquisitas ou prescrevem alguns atos com a ajuda dos quais fazeis o que chamais de tramas secretas; mas ficais bem certos: são Espíritos que zombam e abusam de vossa credulidade.

554 - Aquele que, errado ou certo, tem confiança no que chama virtude de um talismã, não pode por essa própria confiança atrair um Espírito, já que é o pensamento que age? O talismã não será apenas um sinal que ajuda a dirigir o pensamento?

– É verdade; mas a natureza do Espírito atraído depende da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos; portanto, devemos crer que aquele que é tão simples para acreditar na virtude de um talismã não tenha um objetivo mais material do que moral. Além do mais, em todos os casos, isso indica uma inferioridade e fraqueza de idéias que o expõem aos Espíritos imperfeitos e zombeteiros.


Na Revista Espírita de setembro de 1858, encontramos um caso bastante curioso. O Senhor M... havia comprado uma medalha cabalística que continha, nas duas faces, uma multidão de sinais, tais como “planetas, círculos entrelaçados, um triângulo, palavras ininteligíveis e iniciais em caracteres vulgares; além de outros caracteres bizarros tendo qualquer coisa de árabe, tudo disposto de um modo cabalístico no gênero dos livros de mágicos”.

 Tendo interrogado uma médium sonâmbula a respeito da natureza da medalha, o Sr. M... obteve da médium a resposta de que a medalha “era composta de sete metais, que pertenceram a Cazotte, e tinha um poder particular para atrair os Espíritos e facilitar as evocações. O senhor de Caudenberg, autor de uma relação de comunicações que teve, disse ele, como médium, com a Virgem Maria, disse-lhe que era uma coisa má, própria para atrair os demônios. A senhorita de Guldenstube, médium, irmã do barão de Guldenstube, autor de uma obra sobre a Pneumatografia ou escrita direta, disse-lhe que ela tinha uma virtude magnética e poderia provocar o sonambulismo.”

Não satisfeito com a resposta da médium, o Sr. M... pediu a opinião de Allan Kardec a respeito do tema e obteve do fundador do Espiritismo a seguinte resposta:

"Os Espíritos são atraídos ou repelidos pelo pensamento, e não por objetos materiais que não têm nenhum poder sobre eles. Os Espíritos superiores, em todos os tempos, condenaram o emprego de sinais e de formas cabalísticas, e todo Espírito que lhes atribui uma virtude qualquer, ou que pretenda dar talismãs que aparentem a magia, revela, com isso, sua inferioridade, esteja agindo de boa fé ou por ignorância, em conseqüência de antigos preconceitos terrestres dos quais estejam imbuídos, seja porque queira conscientemente divertir-se com a credulidade, como Espírito zombeteiro. Os sinais cabalísticos, quando não são pura fantasia, são símbolos que lembram as crenças supersticiosas quanto à virtude de certas coisas, como os números, os planetas, e sua concordância com os metais, crenças nascidas nos tempos da ignorância, e que repousam sobre erros manifestos, dos quais a ciência fez justiça mostrando o que eram os pretensos sete planetas, sete metais, etc. A forma mística e ininteligível desses emblemas tinha por objetivo impor ao vulgo ver o maravilhoso naquilo que não compreendia. Quem estudou a natureza dos Espíritos, não pode admitir racionalmente, sobre eles, a influência de formas convencionais, nem de substâncias misturadas em certas proporções; isso seria renovar as práticas da caldeira dos feiticeiros, de gato preto, de galinha preta e outros feitiços. Não ocorre o mesmo com um objeto magnetizado que, como se sabe, tem o poder de provocar o sonambulismo ou certos fenômenos nervosos sobre a economia; mas, então, a virtude desse objeto reside unicamente no fluido do qual está momentaneamente impregnado e que se transmite, assim, por via mediata, e não em sua forma, em sua cor, nem sobretudo nos sinais com os quais pode estar sobrecarregado.

Um Espírito pode dizer Traçai tal sinal, e a esse sinal reconhecerei que chamais e virei; mas nesse caso o sinal traçado não é senão a expressão do pensamento; é uma evocação traduzida de um modo material; ora, os Espíritos, qualquer que seja sua natureza, não têm necessidade de semelhantes meios para se comunicarem; os Espíritos superiores não os empregam nunca; os Espíritos inferiores podem fazê-lo tendo em vista fascinar a imaginação de pessoas crédulas, que querem ter sob sua dependência. Regra geral: todo Espírito que liga mais importância à forma do que ao fundo é inferior, e não merece nenhuma confiança, ainda mesmo se, de tempo em tempo, disser algumas coisas boas; porque essas boas coisas podem ser um meio de sedução."


Em O Livro dos Médiuns, no item 282, Kardec novamente interrogou os Espíritos acerca do assunto:

17ª Certos objetos, como medalhas e talismãs, têm a propriedade de atrair ou repelir os Espíritos conforme pretendem alguns?

"Esta pergunta era escusada (desnecessária), porquanto bem sabes que a matéria nenhuma ação exerce sobre os Espíritos. Fica bem certo de que nunca um bom Espírito aconselhará semelhantes absurdidades. A virtude dos talismãs, de qualquer natureza que sejam, jamais existiu, senão, na imaginação das pessoas crédulas."


Ao fazer um estudo sobre os Possessos de Morzine, as causas da obsessão e os meios de combatê-la, na Revista Espírita de dezembro de 1862, o fundador do Espiritismo teve a oportunidade de asseverar:

"Certas pessoas preferem, sem dúvida, uma receita mais fácil para afastar os maus Espíritos: algumas palavras a dizer ou alguns sinais afazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que se corrigir de seus defeitos. Com isso não estamos descontentes, mas não conhecemos nenhum outro procedimento mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte do que ele. Quando se está doente, é preciso se resignar a tomar um remédio, por amargo que ele seja; mas também, quando se teve a coragem de beber, como se sente bem, e quanto se é forte! É preciso, pois, se persuadir de que não há, para alcançar esse objetivo, nem palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem quaisquer sinais materiais. Os maus Espíritos disso se riem e se alegram freqüentemente em indicarem que sempre têm o cuidado de se dizer infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles que querem enganar, porque então estes confiantes na virtude do procedimento, se entregam sem medo."


E no artigo Causas da obsessão e meios de combate V, da Revista Espírita de maio de 1863, Allan Kardec encerra com maestria: "A pureza de coração e de intenção, o amor de Deus e do próximo, eis o melhor talismã, porque lhes tira todo império sobre as nossas almas".

Da leitura que fizemos desses trechos das Obras Básicas e da Revista Espírita, podemos tirar algumas conclusões:

a) Os Espíritos de ordem superior jamais indicam qualquer tipo de formula exterior; logo, somente os Espíritos de ordem inferior indicam tais formulas;
b) Os Espíritos são atraídos somente pelo pensamento; portanto, nenhum talismã, amuleto, palavra sacramental, sinal cabalístico ou qualquer tipo formula exterior poderá exercer qualquer influência sobre eles;
c) Não exercendo nenhuma influência sobre os Espíritos, o uso de objetos materiais é completamente ineficaz para se proteger da má influência dos Espíritos (obsessão) e/ou ajudar nas comunicações espíritas;
d) O amor a Deus e ao próximo, a transformação moral e a boa conduta podem ser considerados os nossos melhores “talismãs”, pois são eles os meios mais eficazes de nos protegermos da influência dos maus Espíritos.

Ver:

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Allan Kardec por Maurice Lachâtre

                                                                Maurice Lachâtre  
Maurice Lachâtre ( Issoudun, 14 de outubro de 1814 - Paris, 9 de março de 1900), foi um escritor, editor e livreiro, tendo sido considerado um dos maiores e mais importantes intelectuais franceses do século XIX. Homem de personalidade marcante, Lachâtre teve sua vida marcada por constantes embates com o regime político e com a Igreja Católica, por conta das idéias de vanguarda que defendia e por sua luta a favor da liberdade de expressão. Em 1861 Lachâtre foi um dos principais protagonistas do famoso Auto-de-fé de Barcelona. Em 1866 Lachâtre publicou aquele que seria o maior trabalho de sua vida, o Novo Dicionário Universal, considerado por Allan Kardec como "o mais exato, o mais completo e o mais progressivo de todos os dicionários..." (ver artigo O Espiritismo toma posição da filosofia e nos conhecimentos usuais - Revista Espírita, janeiro de 1866). No Novo Dicionário Universal, Lachâtre publicou uma interessante biografia de Allan Kardec, que foi traduzida e disponibilizada recentemente pela equipe do portal IPEAK (Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec).



ALLAN KARDEC (Hyppolite-Léon-Denizard Rivail). Chefe e fundador da doutrina chamada espírita, nascido em Lyon em 3 de outubro de 1804, oriundo de Bourg en Bresse, departamento do Ain. Conquanto filho e neto de advogados, e de uma antiga família que se distinguiu na magistratura e no foro, não seguiu essa carreira; dedicou-se cedo ao estudo da ciência e da filosofia. Aluno de Pestalozzi, na Suíça, torna-se um dos discípulos eminentes deste célebre pedagogo, e um dos propagadores de seu sistema de educação, que exerceu grande influência na reforma dos estudos na França e Alemanha. Foi nesta escola que se desenvolveram as ideias que deviam colocá-lo mais tarde na classe dos homens de progresso e dos livres pensadores.
Nascido na religião católica, mas criado num país protestante, os atos de intolerância que sofreu a esse respeito lhe fizeram conceber, desde os quinze anos de idade, a ideia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio por muitos anos, com o pensamento de chegar à unificação das crenças; mas faltava-lhe o elemento indispensável à solução desse grande problema.
O Espiritismo veio mais tarde fornecer-lhe esse elemento e imprimir uma direção especial a seus trabalhos. Por volta de 1850, quando se tratou das manifestações dos espíritos, Allan Kardec entregou-se a observações perseverantes sobre esses fenômenos, e dedicou-se principalmente a deduzir daí as consequências filosóficas. Entreviu aí primeiramente o princípio de novas leis naturais: as que regem as relações do mundo visível e do mundo invisível; reconheceu na ação deste último uma das forças da natureza, cujo conhecimento devia lançar luz sobre uma quantidade de problemas considerados insolúveis, e compreendeu seu alcance do ponto de vista científico, social e religioso. Suas principais obras sobre esta matéria são: o Livro dos Espíritos, para a parte filosófica, e cuja primeira edição saiu em 18 de abril de 1857; o Livro dos Médiuns, para a parte experimental e científica (janeiro de 1861); o Evangelho segundo o Espiritismo, para a parte moral (abril de 1864); o Céu e o Inferno, ou a justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, coletânea mensal começada em 10 de janeiro de 1858. Fundou em Paris, em 10 de abril de 1858, a primeira sociedade espírita regularmente constituída com o nome de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cuja finalidade exclusiva é o estudo de tudo o que pode contribuir para o progresso desta nova ciência.
Allan Kardec se defende de ter escrito algo sob a influência de ideias preconcebidas ou sistemáticas; homem de caráter frio e calmo, ele observou os fenômenos e deduziu as leis que os regem; foi o primeiro a lhes dar a teoria e formar um corpo metódico e regular. Demonstrando que os fatos falsamente qualificados de sobrenaturais estão submetidos a leis, ele os faz entrar na ordem dos fenômenos da natureza, e destrói assim o último refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição. Durante os primeiros anos em que se tratou de fenômenos espíritas, essas manifestações foram mais objeto de curiosidade do que assunto de meditações sérias; o Livro dos Espíritos fez considerar a coisa sob um aspecto completamente diferente; então foram abandonadas as mesas giratórias, que haviam sido somente um prelúdio, e aderiu-se a um corpo de doutrina que abarcava todas as questões interessando a humanidade.
Do aparecimento do Livro dos Espíritos data a verdadeira fundação do Espiritismo, que, até então, possuíra apenas elementos esparsos sem coordenação, e cujo alcance não pudera ser compreendido por todo o mundo; a partir desse momento também a doutrina reteve a atenção dos homens sérios e logrou um desenvolvimento rápido. Em poucos anos essas ideias encontraram inúmeros adeptos em todas as classes da sociedade e em todos os países. Esse sucesso sem precedentes deve-se sem dúvida à simpatia que essas ideias encontraram, mas ele é devido também em grande parte à clareza, que é um dos caracteres distintivos dos escritos de Allan Kardec.
Abstendo-se das fórmulas abstratas da metafísica, o autor soube colocar-se ao alcance de todo o mundo e ser lido sem fadiga, condição essencial para a vulgarização de uma ideia. Sobre todos os pontos controversos, sua argumentação, de uma lógica cerrada, oferece pouca ocasião à refutação, e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismo dá da existência da alma e da vida futura tendem à destruição das ideias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos desta doutrina, e que decorre do precedente, é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma quantidade de filósofos antigos e modernos, e nos últimos tempos por Jean Reynaud, Charles Fourier, Eugene Sue e outros; mas permanecera no estado de hipótese e de sistema, enquanto o Espiritismo demonstra sua realidade, e prova que este é um dos atributos essenciais da humanidade. Deste princípio decorre a solução de todas as anomalias aparentes da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais; o homem sabe assim de onde vem, aonde vai, para que fim está na terra, e por que sofre. As ideias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha ascendente dos povos e da humanidade, pelos homens dos tempos passados que revivem após terem progredido; as simpatias e as antipatias, pela natureza das relações anteriores; essas relações, que ligam a grande família humana de todas as épocas, dão como base as próprias leis da natureza, e não mais uma teoria, aos grandes princípios de fraternidade, de igualdade, de liberdade e de solidariedade universal. Ele toca, além disso, diretamente na religião, pois sendo a pluralidade das existências a prova do progresso da alma, isso destrói radicalmente o dogma do inferno e das penas eternas, incompatível com esse progresso; com esse dogma ultrapassado caem os inúmeros abusos dele originados. Em vez do princípio: Fora da Igreja não há salvação, que sustenta a divisão e a animosidade entre as diferentes seitas, e que fez derramar tanto sangue, o Espiritismo tem por máxima: Fora da caridade não há salvação, ou seja, a igualdade de todos os homens diante de Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua. Em vez da fé cega que aniquila a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inabalável senão aquela que pode mirar a razão frente a frente em todas as idades da humanidade. Para a fé é preciso uma base, e esta base é a inteligência perfeita do que se deve crer; para crer não basta ver, é preciso sobretudo compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer impor-se, e exige a abdicação de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio. (Evangelho segundo o Espiritismo.) A doutrina espírita, tal como enunciada nas obras de Allan Kardec, contém em si os elementos de uma transformação geral das ideias, e a transformação das ideias traz forçosamente a da sociedade. Deste ponto de vista ela merece a atenção de todos os homens de progresso. Estendendo-se já a sua influência a todos os países civilizados, ela dá à personalidade de seu fundador uma importância considerável, e tudo faz prever que, num futuro talvez próximo, ele será colocado como um dos reformadores do século XIX.

Referências bibliográficas:
Lachâtre, Maurice - Nouveau Dictionnaire Universel. Docks de la Librairie, 38 - Paris, 1866

Lachâtre, Maurice - Os Crimes dos Papas: Mistérios e Iniquidades da Corte de Roma. Resumo biográfico por Eduardo Carvalho Monteiro, páginas 11-12. Editora Madras, 2004.
Kardec, Allan - Revista Espírita 1866. IX, Araras, SP: IDE, 1993

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O que deve ser uma história do Espiritismo



                       O que deve ser a História do Espiritismo

   A propósito dessa história, sobre a qual dissemos algumas palavras, muitas pessoas nos perguntaram o que ela compreenderia e, a respeito, nos enviaram diversos relatos de manifestações. Aos que julgaram assim trazer uma pedra ao edifício, agradecemos a intenção, mas diremos que se trata de algo mais sério que um catálogo de fenômenos espíritas, encontrado em muitas obras. Devendo o Espiritismo notabilizar-se nos fastos da Humanidade, será interessante para as gerações futuras saber por que meios ele se terá estabelecido. Será, pois, a história das peripécias que tiverem assinalado os seus primeiros passos; das lutas que tiver enfrentado; dos entraves que lhe terão suscitado; de sua marcha progressiva no mundo inteiro. O verdadeiro mérito é modesto e não busca fazer-se valer. É preciso que a posteridade conheça os nomes dos pioneiros da obra, daqueles cujo devotamento e abnegação merecerão ser inscritos em seus anais; das cidades que marcharam na dianteira; dos que sofreram pela causa, a fim de que os abençoem, e dos que fizeram sofrer, para que orem, para que sejam perdoados; numa palavra, de seus verdadeiros amigos e de seus inimigos, confessos ou ocultos. A intriga e a ambição não devem usurpar o lugar que lhes não pertence, nem um reconhecimento e uma honraria que lhes não são devidos. Se há Judas, forçoso é que sejam desmascarados. Uma parte não menos interessante é a das revelações que, sucessivamente, anunciaram todas as fases dessa nova era e os acontecimentos de toda ordem, que as acompanharam.
   Aos que acharem presunçosa a tarefa, diremos que não temos outro mérito senão o de possuir, por nossa posição excepcional, documentos que não estão na posse de ninguém, e que se acham ao abrigo de quaisquer eventualidades; que, estando o Espiritismo sendo chamado a desempenhar um grande papel na História, importa que seu papel não seja desnaturado, e opor uma história autêntica às histórias apócrifas que o interesse pessoal poderia engendrar.
   Quando aparecerá? Não será tão cedo e talvez não em nossa vida, pois essa obra não se destina a satisfazer a curiosidade do momento. Se dela falamos por antecipação, é para que ninguém se equivoque quanto ao seu objetivo e deixar clara a nossa intenção. Aliás, o Espiritismo está debutando e muitas outras coisas haverão de acontecer até lá; e, depois, é preciso esperar que cada um tenha tomado o seu lugar, certo ou errado.

Allan Kardec – Revista Espírita, outubro de 1862.

sábado, 6 de novembro de 2010

Raríssimo Retrato de Allan Kardec




   Na Revista Espírita de Janeiro de 1867, Allan Kardec publicou o seguinte anúncio:
                                             RETRATO DO SR. ALLAN KARDEC
                        (Desenhado e litografado pelo Sr. Bertrand, artista pintor)

Dimensão: papel china, 35 cm. x 28 cm; com a margem, 45 cm. x 38 cm. – Preço: 2 fr. 50 c; pelo correio, para a França e a Argélia, porte e estojo de embalagem, mais 50 c. – Em casa do autor, rue des Dames, 99, Paris-Batignolles e no escritório da Revista.
O Sr. Bertrand é um dos excelentes médiuns escreventes da Sociedade Espírita de Paris e deu provas de zelo e devotamento pela doutrina. Esta consideração, aliada ao desejo de lhe ser útil, tornando-o conhecido como artista de talento, fez calar o escrúpulo, por nós tido até aqui, de anunciar a venda de nosso retrato, com receio de que nisto vissem uma presunção ridícula. Apressamo-nos, pois, em declarar que somos completamente estranhos a essa  publicação, como a de retratos editados por vários fotógrafos.           

   Também na obra “Catálogo Racional das Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita”, na seção “desenhos”, Kardec faz menção ao mesmo retrato (com dimensões diferentes, porém):

RETRATO DO SR. ALLAN KARDEC, desenhado e litografado pelo Sr, Bertrand, pintor. – Dimensão: papel china 25 x 38 cm. – Preço: 2 fr. 50 c.; pelo correio, para a Franca e Argélia, porte e estojo de embalagem, 50 c. a mais.
* Fotografia in-4, de 25 x 20cm., 3 fr. Porte e embalagem, 50 c. a mais.
* Cartão-retrato: 1 fr.

   Na época em que li os anúncios, fiquei sem saber se o retrato mencionado era (ou não) algum dos retratos de Allan Kardec que conhecemos dos livros, revistas, internet etc.,  pois não não consta a imagem do retrato nas edições da Revista Espírita (1867) e do Catálogo Racional que eu possuo (por favor, me avise o leitor que souber de alguma edição em que conste o retrato).
    Algum tempo depois, quando folheávamos as páginas do Anuário Espírita de 1967, do Instituto de Difusão Espírita (IDE), deparamo-nos com uma grata surpresa: um raríssimo retrato de Allan Kardec! Como até então o retrato me era desconhecido, resolvi procurar nos meus livros e na internet para ver se encontrava algum retrato igual. Como não encontrei, revolvi publicá-lo neste blog.
   A data (1867) e o autor do retrato (Sr. Bertrand) conferem com as informações contidas na Revista Espírita e no Catálogo Racional.  Resta saber, porém, se o retrato acima é de fato o mesmo o retrato mencionado na Revista Espírita e no Catálogo Racional. Ainda segundo as informações do Anuário Espírita de 1967, o retrato foi desenhado num período em que o fundador do Espiritismo se encontrava bastante enfermo...